segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Uma história para o Natal

A ovelha negra
Tocaram à porta. A mãe do Sebastião espreita pelo óculo da porta e vê o Sr. Meireles.
– Um momento, Sr. Meireles! Vou num instante lavar as mãos porque estamos todos com cola de cima a baixo!
– Se andam em colagens, não quero incomodar! – grita o Sr. Meireles.
Mas a mãe apressa-se a abrir-lhe a porta com um sorriso.
– São as ovelhas, sabe, e a neve para pulverizar os pinheiros. Estamos a preparar o nosso presépio.
Agora é que o Sr. Meireles não quer mesmo incomodar. Só vinha dizer que vai estar fora por uma semana para fugir à confusão do Natal.
Alguém teria de o substituir na limpeza da neve à entrada do prédio. E agora não quer incomodar mais. Desculpem e uma boa noite…
Por fim, a mãe lá consegue levar o Sr. Meireles até à sala.
– Tem de provar o meu ponche!
Sebastião, o pai e Ana, a irmã mais velha de Sebastião que veio com o namorado fazer-lhes uma visita, estão sentados à mesa a recortar ovelhas de cartão e a colar-lhes minúsculos caracóis feitos de papel de seda.
– Que trabalho tão miudinho – queixa-se Ana. – Não sei de quem foi a ideia!
– Use palitos! – diz-lhe o Sr. Meireles – Assim, ora veja…
Procura no bolso e tira um palito embrulhado em papel azul e branco, como os que há nos restaurantes ao lado do saleiro. Desembrulha-o, mergulha a ponta em cola, apanha um caracol de papel e pressiona-o com cuidado sobre a ovelha de cartão.

– Teve azar – diz Ana, estendendo-lhe uma ovelha ainda por fazer.
Sebastião enrola tirinhas de papel e corta-as para fazer os caracóis.
O Sr. Meireles encontrou outro palito no bolso e deitou mãos à obra.
O presépio de musgo e pedras está pousado em cima da arca. O estábulo de Belém também já está pronto, mas vazio. O algodão brilha nas pontas dos pinheiros. Na margem do ribeiro de seda já pastam quatro ovelhas de cartão.
– Gostava mais que fosse água a sério – diz o Sebastião ao Sr. Meireles.
– Não se pode ter tudo – responde este. – Méé, méé, aqui vem a ovelha do senhor Mééireles.
A ovelha preta ficou muito bonita. Sebastião pousa-a no musgo verde, ao lado das brancas.
– Fica mesmo bem! Obrigado!
– Achas que ela se sente bem aqui? – pergunta o Sr. Meireles.
– E por que não? – pergunta Sebastião.
– Então! Porque é a única ovelha preta entre tantas brancas.
– Acha que se sente diferente? – pergunta o Sebastião admirado.
– É possível – diz o Sr. Meireles.
– Vi ovelhas brancas com cabeça preta, na quinta do Sr. Toninho – diz o Sebastião. – E, se quer que lhe diga, eu acho que o preto é como uma pincelada de humor no meio do branco. Para combater a monotonia. Para não ser tudo igual.
O Sr. Meireles bebe um terceiro copo e observa o Sebastião a picar os caracóis de papel.
Sebastião solta um assobio de espanto:
– Boa ideia! Também quer fazer uma, Sr. Meireles?
– Não, não – diz ele. – E muito menos uma branca.
O ponche sabe-lhe bem e a mãe torna a servi-lo.
– Se fizer, então só uma negra – resmunga.
– Como? – pergunta o pai.
– A fazer, seria uma ovelha negra – diz o Sr. Meireles.
Sebastião põe-se a pensar.
– Na caixa das minhas botas novas vinha papel de seda preto. Vou buscar-lho!
O Sr. Meireles bebe um grande golo de ponche.
– Nunca julguei que houvesse papel de seda preto nesta casa.

– Somos todos brancos e pretos – diz pausadamente. De um momento para o outro, a voz soa grave e festiva. – Todos às cores! Todos!
– Pois somos, somos! – murmura o pai serenamente.
A mãe enche uma caixa de bolachinhas de baunilha para o Sr. Meireles, e acompanha-o à porta.
– Aqui tem. Para as férias!
O Sr. Meireles pega na caixa e leva-a com o mesmo cuidado com que os três Reis Magos levaram as suas oferendas.
Tradução e adaptação
Lene Mayer-Skumanz
Anna und Sebastian
Wien, Herder, 2003

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